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  Os extremos separam e machucam  

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Era uma tarde de sábado na cidadezinha americana de Charlottesville, próximo a Washington, quando um grupo de jovens universitários resolveu tomar as ruas e levantar as vozes em protesto. Este, porém, não era em prol de nenhuma causa social ou coisa parecida. O objetivo dos estudantes era dizer ao mundo sobre o orgulho que eles tinham dos valores do nazismo. As palavras de ordem giravam em torno de discursos de ódio por negros e homossexuais.

Após 72 anos da queda do regime de Adolf Hitler na Alemanha e de tantas histórias repletas de tristeza narradas nas mais diversas formas, as ideias extremistas que causaram injustiça e morte na história de tantas famílias encontram adeptos entre jovens e universitários. A socióloga e professora Andréa Gonçalves explica as razões por detrás do apego que as pessoas demonstram pelos extremos. Segundo ela, o advento da internet e das redes sociais modificou a forma como as pessoas se relacionam. “A constituição relacional dos indivíduos via criação de grupos de interesse ou afinidade, especialmente mediada por mídias sociais pode por um lado favorecer a sociabilidade.Porém pode ser também utilizada como um aspecto que formata e, por vezes, condiciona os indivíduos a vislumbrar e compreender as dinâmicas de vida e modos de ser daqueles indivíduos e grupos sociais que lhes sejam mais próximos”, coloca.

É quando o ser humano perde o senso de alteridade que o radicalismo se desenvolve. Quando não há mais a capacidade de se colocar no lugar do outro. De acordo com a opinião da especialista isso acontece “de modo sorrateiro”. A postura extremista de alguns não é nada além de um reflexo da “cultura de grupos”, como é denominada pela socióloga.

Algo que chama a atenção é o envolvimento de jovens universitários, suposta parcela da classe pensante de qualquer sociedade em movimentos como o ocorrido nos Estados Unidos que resultou na morte, atropelada por um neonazista. “O simples acúmulo de conhecimento não indica que um ou outro indivíduo tenha conseguido desenvolver habilidades sociais”, avalia a professora.

 

Além disso, ela afirma haver uma disseminação de discursos radicalistas sob o disfarce de engajamentos sociais. “O que se tem percebido é uma linha tênue entre liberdade de expressão e o ato de proferir discursos de ódio”, avalia.

José Erílio da Silva, brasileiro e residente nos Estados Unidos há 18 anos, conta sobre as mudanças que tem observado desde que o presidente Donald Trump assumiu o cargo. Segundo ele, no índice de violência e preconceito está aumentando e, além disso o país está se dividindo “Quando há um líder populista que inflama, as pessoas tendem a agir”, pondera. Como exemplo, o empresário narra o que aconteceu em uma cidade próxima a sua casa.

Expressões como “país branco” e “raça ariana”, remetem diretamente às ideias disseminadas por Hitler, cujos efeitos funestos são bem conhecidos.

Um americano entrou em um bar e munido de uma arma de fogo matou dois indianos e feriu um terceiro, sob as palavras de ordem “saiam do meu país”. O empresário acredita que incidentes como este foram inflamados por conta dos discursos ultranacionalistas pois “este foi o primeiro em nossa região”, justifica.

Se por um lado, há os liberalistas, por outro, há aqueles que desejam transformar os Estados Unidos em um país branco, de europeus, o que segundo o empresário é impossível pelo simples fato de o país ser, desde sempre, resultado de movimentos imigratórios.

Expressões como “país branco” e “raça ariana”, remetem diretamente às ideias disseminadas por Hitler, cujos efeitos funestos são bem conhecidos. Elas vêm agora em uma nova roupagem: O neonazismo. Para a professora Andréa Gonçalves, a adesão de ideologias radicalistas especialmente pela disseminação de uma cultura etnocêntrica tem a ver com a defesa da superioridade de um grupo social sobre outros e, por isso,esse movimento representa uma grande ameaça. “Porém não se pode defender um direito social em detrimento do direito de outrem”, conclui.

O extremismo, no entanto, não se resume apenas aos Estados Unidos e muito menos à esfera politica da sociedade. A religião também é um campo onde ideias e comportamentos extremistas se disseminam, haja vista os grupos terroristas do oriente que pautam todas as suas ações em motivações religiosas. (Você pode clicar aqui para conferir uma das reportagens da ABJ sobre o tema)

A própria Alemanha, por mais irônico que possa parecer, está passando por um processo de renascimento do nazismo. Há pouco tempo, três homens e uma mulher foram detidos, acusados de planejar um atentado contra um grupo de mulçumanos e um asilo. O fato, que virou notícia, prova que quando o assunto é sociedade, nunca se está livre do risco de incorrer nos mesmos erros.

Na internet, a semente do extremismo e de toda intolerância encontra terreno fértil. Ideias que feriram muitos no passados são compartilhadas e curtidas na timeline de tantos outros atualmente.

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Seja nas mesas de bar, seja nas redes sociais e até mesmo nos almoços de domingo, o debate político está em todo lugar. Ter opinião sobre um assunto não é errado e encontrar um grupo que compartilhe suas ideias não é um crime, mas o extremismo muitas vezes se faz presente nas discussões, sem que grande parte das pessoas se dê conta. O historiador Jaime Pinsky disse em seu livro, Faces do fanatismo, que o grande perigo das ideias extremas é a certeza inabalável. “A certeza da verdade do fanático não é resultante de uma reflexão ou de uma dedução intelectual”, afirma o escritor.

Entre as certezas inabaláveis, há o fortalecimento da extrema direita. Será que ainda existe algum resquício de ditadura que justifica esse fenômeno? O doutor em sociologia Cristiano Bodart explica que um resíduo sempre há, mas isso não explica a visibilidade que essa vertente tem ganhado atualmente. “Para ganhar adeptos, a extrema direita, se aproveitando da educação precária, busca apresentar ‘soluções fáceis’ e de grande simpatia no seio da sociedade brasileira, tais como pena de morte e a ‘defesa da família brasileira’”, frisa.

O sociólogo Cristiano Bodart pontua quatro motivos para o extremismo avançar no Brasil. “O primeiro é entender quem domina os principais canais de comunicação e divulgação de posições ideológicas”, destaca. É preciso entender que o jornalismo no Brasil é tendencioso; o segundo ponto que Bodart ressalta é o fato da elite brasileira, defensora dos principais meios de comunicação, se encontra em um momento de insatisfação com as mudanças da última década relacionadas aos direcionamentos dos recursos públicos. “O terceiro ponto a ser destacado diz respeito à expansão dos problemas sociais que passam a atingir também a elite”, pontua. O ensino bastante precário, inclusive no nível superior, e no ensino superior privado, por onde passa maior parte da classe média brasileira é lastimável. E por fim, para ele, a democratização do espaço de fala, ou seja, a expansão do acesso e uso das redes sociais. “A somatória desses pontos me parece ter sido o cenário para o desenvolvimento da estrema direita”, determina.

O deputado Jair Bolsonaro surge como figura messiânica entre os defensores da direita extremista. “Ele apresenta boas ideias para o quadro do nosso país em questões sociais”, assegura o estudante de Direito, Jônatas Moura, sobre o político. Bolsonaro afirma defender os bons costumes da família brasileira e, ao mesmo tempo, o porte de arma legal. “Todo mundo terá uma arma de fogo em casa”, afirmou Jair Bolsonaro em uma palestra para a comunidade hebraica. Mas não pense que apenas Jônatas é apoiador fiel à Bolsonaro. O deputado tem mais de quatro milhões de seguidores nas redes sociais. Seguidores esses que apoiam frases ditas por Jair Bolsonaro como: “Não te estupro porque você não merece.” (Jair Messias Bolsonaro, para a deputada federal Maria do Rosário).

As falas extremistas são colocadas como possíveis soluções para os mais diversos problemas. “Ideias marcadas pela intolerância sempre são ameaças e as ideias são exatamente o motor das ações, por isso são sempre perigosas”, enfatiza Bodart. O estudante de direito, por sua vez, se considera um apoiador de boas ideias, independente da origem delas. Essa confiança cega pode causar danos quase que irreversíveis na sociedade, como aconteceu na Alemanha. “Desejamos que as pessoas almejem a paz, mas também sejam corajosas. E vocês alcançarão a paz. Vocês precisam almejar a paz e serem corajosos ao mesmo tempo”, disse Hitler em 1934 em um discurso para 20000 jovens. Parece uma ideia boa, mas seu locutor foi acusado de matar pelo menos 6 milhões de judeus tendo por base motes como esse.

O sociólogo explica que é difícil prever os resultados de um possível governo de extrema direita ou mesmo de um governo fascista no Brasil. “Por suas características podemos deduzir que as minorias passariam a estar em uma situação mais difícil do que a atual”, acredita. Embora os discursos fascistas tenham tomado grandes proporções, existem jovens, como o estudante de Direito Pedro Pinheiro, que pensam diferente e buscam o equilíbrio. “Acredito que toda forma de pensar que chega ao extremismo prejudica a sua ideologia inicial”, expõe.

As minorias sofrem com as ideias extremas. Confira nesse podcast o desabafo de uma negra e um homossexual.

Extremismo - Thaynara Messias e Rodolfo Sanches
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No metrô cheio de pessoas cansadas com o olhar perdido pela janela onde a paisagem passa ligeira como a vida, barulho, silêncio incômodo. De repente, poesia. “Eu tenho um sonho, mas eu vivo um pesadelo só por assistir a luta de alguns guerreiros que na batalha diária pelo pão de cada dia, vários passaram aperreio”. Dentre variadas reações, a maioria apenas reflete. O rapaz com boné de aba reta e roupas largas continua ritmando e gesticulando com a mão: “E o bebê? Tá pra nascer. E o aluguel? Tem que pagar. E o que é que você vai fazer? Desistir?”, ele hesita e esboça um sorriso antes de continuar.  “Não, nem pensar”.

Não apenas ele, mais dois rapazes ali no vagão se autodenominam Filhos de Ururaí. São os rapazes do leste de São Paulo: o músico Lucas Afonso, o educador e poeta Rafael Carnevalli e o produtor Andrio Candido. Este último, também formado em história, explica as origens do próprio bairro que batizou o movimento de intervenção nos metrôs e trens do estado. O nome indígena do bairro é Aldeia de Ururaí, mas por conta da colonização se tornou São Miguel – nome de santo católico. Voltar ao nome original do lugar é o início da resistência dos Filhos de Ururaí.  

Para o mestre em história, Elder Hosokawa, os maiores exemplos de desigualdade e exclusão foram o extermínio de povos indígenas e a escravidão. “Hoje é a corrupção, legislação e ação política direcionada para beneficiar o capital”, explica. De acordo com Hosokawa, a falta de qualidade na educação pública também é uma forma de exclusão, pois inibe os alunos dessa rede a possuir informação e conhecer seus direitos. “Os ricos empresários banqueiros que se apropriam do Estado e usam da ditadura para impor suas ideologias contra partidos que se identificam com os interesses dos trabalhadores, que defendem as camadas subalternas”, alega.

Movimentos de resistência são o conjunto de iniciativas que um grupo de pessoas toma em defesa de uma causa. Essa luta pode acontecer por vários motivos, mas na maioria das vezes são de cunho político. Não apenas grupos, mas qualquer pessoa que mova esforço organizado para defender um ideal, é um resistente. A resistência pode ser demonstrada através de movimentos em grupo ou pessoais. A música “Pagu” de Rita Lee, ou “Alegria” de Caetano Veloso são exemplos de resistência através da música. O Movimento Sem Terra por outro lado é amostra de resistência em grupo. Cartazes, arte, greves, livros. O simples fato de ir contra a maré social é resistir, seja como for.

Rafael conta que, por serem educadores, também trabalham com turmas de escolas e ONGs. Além disso, dão oficinas passando adiante a forma de expressão pela arte, especialmente literatura e poesia para jovens. “Faz parte até da democratização da informação, dos saberes, das lutas em sua diversidade mesmo”, declara. Com um sorriso, Rafael diz que é como se a pessoa sempre tivesse esperado ouvir aquilo para se libertar.

De acordo com o professor e sociólogo Tiago Suchecki, as pessoas recebem constante imposição social no cotidiano. “A gente acaba se alienando, tomando essas imposições como verdades ou como normalidade social”, revela. Na opinião de Tiago, sem reflexão o indivíduo se torna meramente robô reprodutor de um conteúdo imposto. Da mesma forma, os extremos nos movimentos também são nocivos. Exemplo disso é o femismo dentro do feminismo, do qual o primeiro é um extremo onde a mulher é superior ao homem enquanto o movimento feminista quer apenas igualdade entre ambas as partes. “Essa imposição de uma cultura sobre outra é totalmente errônea”, afirma. Sucheki acredita que um lugar melhor é aquele onde todas as pessoas são respeitadas e tratadas como iguais.

Afonso ainda considera os esforços vindos do passado. “Para sermos o que somos hoje alguém lá atrás teve que fazer um corre, talvez não como o nosso, talvez até mais importante inclusive”, confessa com modéstia. Para o músico, tudo isso é uma forma de retribuir aqueles que um dia se esforçaram: seus avós, seus pais e seus ancestrais. “A realidade que a gente vive me assusta muito e esse medo que rodeia nossas vidas também é combustível para seguir na caminhada”, reflete.

O Brasil, aos olhos do sociólogo, não é um país com governo democrático, porém é autoritário e passa por cima das próprias leis. Sem a resistência o povo aceita viver de imposições. De acordo com Tiago, é necessário que haja uma resistência unida com o objetivo de proporcionar uma sociedade mais justa e equiparada para todas as pessoas.

Diante dessa realidade, fica o questionamento: é possível reverter o quadro nacional? A música de Josh Garrels responde: “como homens bons fazem parte do sistema? Eles não acreditam em resistência”.

Somos todos filhos deste solo e oriundos da mesma terra. A diversidade é reconhecida como herança comum da humanidade. A pluralidade cultural leva os povos de volta às origens e os deixa afastados dos extremos arbitrários.

A arte é arma pesada contra a opressão vinda dos extremos. A equipe do ALT preparou uma playlist de resistência e empoderamento.

Escute aqui: 

Direção: Prof. Me. Andréia Moura

Contatos: (19) 3858-9072

                    abjnotícias@gmail.com

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Editora chefe: Prof. Dr. Karla Caldas Ehrenberg

Secretária de Redação: Emanuely Miranda


Repórteres: Emanuely Miranda, Juliano Santos, Lia Costa, Thaís Alencar, Thaís Fowler e Thamiris Senis


Programação visual: Emanuely Miranda, Lia Castro e Rafael Cardoso


Editor de vídeo: Rafael Cardoso


Fotos: Lia Castro

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